O canto do gaúcho
Simões Lopes Neto (1865-1916)
Eu não nasci para o mundo,
Para este mundo cruel.
Só quero cortar os Pampas,
No dorso do meu corcel,
Este meu pingo galhardo,
Este meu pingo fiel.
Eu sou como a tempestade,
Sou como o rijo tufão,
Que esmaga os vermes na terra,
E sobe para a amplidão.
Eu sou senhor dos desertos,
Monarca da solidão!
Quando eu, de lança enristada,
Esbarro no meu bagual,
Não temo a fúria sanhuda
Dessa canalha real,
Os reis são nuve’ de poeira,
Eu quero ser vendaval.
Eu sei que os reis, sobre os tronos,
Zombam de mim, eu bem sei;
Mas eu não troco o meu pingo,
Pela cabeça de um rei,
Esses palhaços c’roados
Que toda a vida eu odiei.
Qu’importa, pois, que eles zombam,
Que eles riam-se de mim?
Eu nunca fui um lacaio,
Eu nunca serei mastim,
Quero viver sempre livre
Quem me quiser – é assim!
Oh! como é belo – esta vida
Assim tão livre levar!
Beber a luz d’alvorada
Quando ela vai rebentar!
Correr o Pampa deserto,
Correr... correr... não parar!
Eu tenho a crença no peito,
Guardada no coração;
Quero surgir na batalha,
À voz da revolução;
Amortalhar-me nas dobras
Do tricolor pavilhão.