Arte de Amar
(livro primeiro – fragmento)
Ovídio (43 a.C.-18)
Se acaso existe alguém entre este povo
que da arte de amar nada conheça,
leia o presente livro – a ver se douto
fica nesta matéria que lhe interessa...
Graças à arte é que no mar os barcos
com velas e com remos vão vogando;
graças também a ela vão os carros
mais velozes nas pistas deslizando...
Se Automedonte, a manobrar as rédeas,
nunca pelos demais era vencido,
e se Tífis, à popa das galeras,
da própria Emônia se mostrava digno,
– quem me dera, por mim, ser do Amor
Automedonte e Tífis em conjunto,
para, com estas regras que lhe dou,
toda gente o reger em todo o mundo!
Dizem que Amor é fero, e não duvido
que muitas vezes me há de resistir;
mas brando também, é, por ser menino,
e talvez eu consiga dirigi-lo...
Já de Aquiles o velho preceptor
somente com a cítara o domava:
e, por mais que o temessem em redor,
Aquiles sempre ao velho se inclinava...
Às mãos de Aquiles expirou Heitor;
mas o velho sabia castigá-lo...
Ah! que assim me obedeça o próprio Amor,
que também de uma deusa foi gerado!
E vede como o touro sofre o jugo
do arado que lhe põem no cachaço;
como o freio, por fim, é menos duro
entre os dentes do indômito cavalo!
Igualmente o Amor me há de ceder,
por muito que me fira com seu arco,
por mais que o coração me faça arder
com seus terríveis dardos inflamados!
E quanto mais ferir melhor vai ser:
maiores razões terei para vingar-me!
Não mentirei, ó Febo, assegurando
que por ti esta Arte me foi dada;
nem p’la voz dos pássaros em bando
ela, sem eu saber, me foi ditada;
nem que de Clio eu tenha recebido
(ou de suas irmãs) esta mensagem,
enquanto, nalgum vale mais sombrio,
o meu próprio rebanho pastoreava...
Nada disso direi, porque somente
aquilo o quanto sei o devo à prática.
Graças a ela é que fiquei exp’riente:
eis o preço maior destas palavras!
De verdades, não mais, aqui se trata.
Ó mãe do Amor, secunda o meu intento!
E vós, longe daqui, ó finas faixas
que sempre do pudor sois ornamento!
E tu, também, ó longo véu que tapas
das matronas os pés, vai-te no vento!
Eu só a quem é livre me dirijo:
apenas me dirijo a quem não tema
os prazeres mais a furto concedidos...
Não tem pois nenhum mal este poema.
(Trad. Natália Correia e David Mourão-Ferreira)