Zemaria Pinto
(Para ler ouvindo Noel Rosa, Paulo Vanzolini e Adoniran Barbosa)
Eu não vou forçar a minha voz
pra dizer o que vocês querem ouvir...
Já estou cansado desse papo de índio,
mata, ecologia, filosofia da natureza, preservação
estou ficando até careca
Mas eu não vou ficar careta
entrar nesse papo do Sting
cantar rock'n'roll no Quarup
como se estivesse em Sing-Sing
Eu quero mesmo é dançar embaixo do boi
- quem é Garantido?
Eu quero mesmo é dançar embaixo do boi
- quem é Caprichoso, aqui?
Dez horas da manhã, um sol do cacete
na Praça da Matriz, um pivete cheira-cola
bateu minha mochila
e não havia grana nenhuma
só um cartão de crédito vencido,
uma edição do Capital para estudantes do fundamental,
e o retrato de uma namorada que morreu atropelada
Iracema, meu grande amor...
E minha identidade, foto 3X4
do tempo em que eu tinha cabelos longos
e idéias em curto-circuito
porque eu sou do tempo em que dar um tapinha
baseava-se em cumprimentar um amigo
eu sou do tempo em que o trágico do trágico
era tomar formicida Tatu com guaraná Magistral
Eu não vou forçar a minha voz...
E querem saber do que mais:
no Amazonas, a barbárie e a civilização
se completam, se locupletam
se complementam e se contemplam
sob nuvens de fumaça envelhecida
e o pó e o pó e o pó e o pó do tempo
A civilização anda de carro preto
com uma moto-serra na mão
e toma banho de coliformes fecais na cachoeira do Tarumã
e toma porre de whisky iodado com sanduba de tucumã
A barbárie é a contramão da civilização
que mudou a cor do boto vermelho
e zumbizou o tucuxi
zumbizou, zumbizou, zumbizou o tucuxi....
Eu não vou forçar a minha voz
pra dizer o que vocês querem
e já estão cansados de tanto ouvir...
Iracema, meu grande amor...