Amigos do Fingidor

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O sermão da selva (I)

Max Carphentier

Bem-aventurados aqueles que lastimam e os que combatem
o estender-se mortal do Atacama vizinho,
com seus dentes carpindo a cordilheira a oeste
e suas patas de chuvas evadidas
ciscando fogo, foices da invasora
branca fúria de sal no chão do Chile.
Porque esses, temendo o deserto, amarão a selva,
serão chamados a celebrar continuamente o verde,
e repousarão seus fardos sob sombras diversas,
e muitos frutos socorrerão a sua sede,
e seu espírito se comprazirá na abundância da terra.

Respeitarão o verde, o verde-vida, verde-salvação;
verde-acapu, verde-angelim, verde-itaúba,
verde-madeira dos quintais da infância,
verde-pau-rosa, rosa trespassada,
de fragrância reclusa em tambores de ferro;
verde-muirapinima, verde-cedro, verde-aguano,
verde-cumaru-ferro e verde-acariquara
dos esteios sustendo o lume das choupanas;
verde copaibeira e verde-louro, verde-
andiroba tremida e ucuúba dorida.

Por esses vós sereis respeitadas, árvores mansas,
porque sois companheiras de séculos; como então
rapidamente extinguir-vos nesse genocídio
da seiva lagrimando em caules abatidos?

Mas bem persistireis na calma e duradoura ajuda
com que nos permitis, no incendido hemisfério,
cumprir sob o signo do equador e nesses rios
a angústia aqüífera e o corpo mesopotâmico.
Eis que toda fruição é lícita se o ritmo, sereno,
o renovar das forças considera.
Continuareis então, árvores, unas na selva,
nesta paz cenozóica e sob estrela forte
da terra que se abre como vasta flor cindida
sobre o sonho das águas solidárias.