Amigos do Fingidor

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Estante do tempo

Minha lenda
Violeta Branca (1915-2000)


À sombra de um igapó escuro e parado,
branca como as areias e as espumas,
e mais triste que um gesto de adeus,
com a forma de uma vitória-régia imensa,
desmaiada de indiferença,
eu florescia...

Tupã, uma noite,
olhou-me com os olhos de luar
e se enamorou de mim.
E, numa fala que lembrava a suavidade
do riso das águas
correndo sobre pedras, disse:

“És triste e bela. E por isso
terás a glória suprema,
que é maior que o triunfal poema
que canta o uirapuru em voz tão clara.
Toma a pedra muiraquitã,
desce ao fundo dos rios:
vais ser Iara”.

Depois...
Numa hora de encantamento e beleza,
com os cabelos enfeitados de aguapés
e no corpo o fascínio dos mistérios,
prendi a alma ingênua de um marujo incauto.
E o deus lendário da Amazônia,
sentindo o amor palpitar no meu canto,
voltou a me falar.
Nesse dia os seus olhos
tinham lampejos de sol
e a voz o ressoar da pororoca:

“Não mereces mais a glória de ser Iara.
Não ficarás aqui nem um dia sequer.
Vais receber o teu castigo...”

...E transformou-me em mulher.