A Pororoca
Hemetério Cabrinha (1892-1959)
Calmo, sereno, plácido, espelhante,
Nas horas de luar, frias e brancas,
O Mearim, gargalhando nas barrancas,
Se estende, estica e perde-se distante.
O céu, como uma concha de safira
Emborcada por toda a Natureza,
Enche a paisagem de real grandeza
Enquanto o rio pelo chão se estira.
A floresta conserva-se parada;
Nenhuma folha quebra-lhe o silêncio.
E o intérmino trajeto, o rio vence-o
Calmo dentro da noite enluarada.
Mas, um rumor, ao longe, de repente,
Ecoando à distância, estruge, esturra...
Uma invisível força o rio empurra
De encontro às margens assombrosamente.
As águas fervem, tumultuam, crescem
Alagando, destruindo, aniquilando,
Num furor infernal arrebatando
Árvores altas que nas águas descem.
As raízes do solo se deslocam
Sob a fúria dos bruscos elementos.
Ondas revoltas, vagalhões violentos,
Na agonia das margens se rebolam.
Em derredor das ribeirinhas zonas
Nada fica que o rio não ameace;
Como se no seu dorso galopasse
Um tropel de raivosas amazonas.
Embarcações desgarram-se, afundando,
Quebrando amarras, rebentando mastros.
E a Pororoca, em seus sinistros rastros,
Rola por entre abismos esturrando.
Depois... Volta o silêncio. O rio desce;
Plácido e manso o curso continua.
Enquanto branca e só se esconde a lua
Como se nada acontecido houvesse...
Mesmo assim somos nós, nas nossas trocas
De amores e emoções. Tranquilamente,
Quando mal esperamos, de repente
Rebentam n’alma doidas pororocas.